Relato Bianca, nascimento de Rudá

RELATO DE PARTO NATURAL DOMICILIAR APÓS CESÁREA (VBAC OU PNAC) - TRILOGIA
Bianca Magdalena- Cananéia/ SP

 _Na voz da mãe

"Há uma semana atrás tinha em meus braços o rebento que tanto aguardei chegar, depois de um processo de 32 horas, aproximadamente, de esforço e resgate que começou na noite de sexta-feira, dia 21 de agosto, às 20h30min quando entrei em trabalho de parto, fase latente, com contrações regulares e dolorosas de aproximadamente 10 em 10 minutos; no início da semana meu tampão mucoso já tinha saído e estava com um dedo de dilatação, o que indicava que meu colo uterino estava amadurecendo, se afinando, para conceber Rudá nesse mundão! As últimas semanas foram de muita ansiedade, barrigão grande e pesado; a cada mudança de lua pensava que estava chegando nossa “boa hora”, pois nunca deixei de acreditar e confiar que tudo daria certo e que depois de uma cesária desnecessária de minha primeira gestação, há sete anos atrás, quando Ícaro nasceu, nosso tão desejado e clamado parto domiciliar seria vitorioso, já que minha gravidez era de baixo risco, mesmo assim fortalecer o pensamento já era o início desse parir, pois muitas pessoas estavam me desestimulando e me chamando de “louca” por ter feito essa escolha. Nessas 39 semanas me empoderei de muitas informações sobre o parto natural e humanizado em livros de referência ao assunto e nas listas e sites de discussão que circulam na internet, caminhos de descoberta, de lágrimas a cada relato lido, de medos e de um coração que pedia às forças da Mãe Terra que nos provêm e nutre de que Rudá seria recebido com amor e respeito, sem intervenções e medicalização, e como nada nessa vida é por acaso encontrei nesse trilhar, através do Blog Bebedubem, Flavia Penido que me apresentou (virtualmente, risos) Kátia Z. Assumpção Pedroso, um ser que teve as asas tiradas quando desceu a Terra, mas que não deixou de exercer sua vocação com aquelas lindas mãos pequeninas que amparou meu filhote na madrugada de domingo, dia 23, a ela nossa eterna gratidão, querida parteira! Como narrava acima depois de ter passado a noite toda de sexta-feira com contrações dolorosas recebemos Kátia na manhã de sábado, já que estávamos cerca de 400 quilômetros de distância, pois moramos em Cananéia, no Vale do Ribeira, uma remota ilha no extremo litoral sul paulista e Kátia no Vale do Paraíba, em São José dos Campos, mas como imaginava que esse trabalho de parto poderia ser demorado confiamos em esperar a parteira chegar. Assim que ela chegou me examinou, pressão arterial ok, batimentos fetais também, com dois dedos de dilatação, em seguida me pediu para caminhar, imagina, com tantas dores, mas apesar de ser teimosa fui com meu companheiro Juliano até à padaria, uns quatro quarteirões de casa, o que levou uns 30 minutos daquela manhã chuvosa. Quando retornamos iniciamos os “hots”: chazinhos de camomila, bola de Pilates, banhos quentes, massagens, posições verticalizadas e em pouco tempo evoluí para cinco dedos de colo dilatado, Kátia disse a Juliano e Silmara, minha comadre que acompanhou meu parto e que mesmo não sendo doula soube me encorajar e acalentar, que até o início da noite Rudá nasceria! Oras e a noite passou... Lembro-me que até os sete dedos as dores eram suportáveis, apesar de intensas e que os banhos quentes eram maravilhosos, dado o relaxamento que me permitiam, mas depois disso confesso que era preciso garra para suportá-las e o tempo, que já não existia para mim, não passava! A madrugada já tinha iniciado e o cansaço tomava conta de todos, mesmo assim essa equipe não tardava em ajudar, nesse aspecto não dá para deixar de comentar quanto é importante ter ao lado daparturiente pessoas especiais nesse momento, que tenham calma, que saibam doar; sempre comentava que imaginava que Juliano fosse ficar nervoso, mesmo porque quando vim com a ideia de ter nosso filho em casa ele logo disse: “Não me venha com essa ideia de antropóloga hein!”, porém sua devoção me espantou, tanto cuidado e zelo que foram primordiais para que eu também me mantivesse confiante! Fortes dores, cansaço de duas noites sem dormir praticamente, contrações bem próximas uma da outra, como ondas que vinham, atingiam seu zênite e iam embora, permitindo que eu respirasse, quase não conseguia gritar nesse estágio, alguns gemidos e pensamento firme, mentalizando que o útero estava se abrindo, permitindo passagem para Rudá que no seu tempo se despediria do local que lhe abrigou todos esses meses. No entanto, essas últimas quinze horas de trabalho de parto ativo já estavam me esgotando, pensava comigo: “Porque ele não nasce?” e minha bolsa de águas nem tinha rompido ainda, o que era ótimo, pois o bebê estava protegido, mas caso isso ocorresse o processo também aceleraria. Mas, tudo tem mesmo seu tempo! A bolsa rompeu! Ufa! E as contrações se intensificaram progressivamente. Já estava com o colo todo dilatado,10 dedos, só tínhamos que esperar, foi quando resolvi tomar mais uma chuveirada, pois estava difícil suportar a intensidade da dor, de qualquer maneira penso que vivenciar, sentir essas dores foram um resgate em minha vida, resgate como filha, mãe e mulher, apesar dessa reta final já estar em outro estágio de consciência; me contavam piadas, me perguntavam se eu já havia visto algum animal parir (sim, minha gata!), como meu companheiro e eu tínhamos nos conhecido, como era nossa história, mas já não era eu que estava lá! Depois desse último banho voltei para o colchão que estava no chão de nosso quarto e me pus de quatro, pois era como me sentia melhor, deitada era impossível! Senti uma dor muito forte, fiz uma força instintiva junto com a contração e quando pensei que Rudá estava para nascer Kátia me disse que eu havia feito coco, o que me aliviou muito, pois tive muito incômodo no reto, dado que essas fezes deviam estar atrapalhando. Em pouco tempo outras contrações, muito líquido amniótico saindo, como um rio caudaloso e escutava: “Rudá está vindo! Olha a cabecinha dele!”, nessa hora os gritos eram guturais, primitivos, vinham de dentro dessa mamífera que como um animal estava para parir, naturalmente, sem drogas alopáticas ou anestésicos. Rudá coroou! Círculo de fogo, nossa... comoqueimava! Depois de sair sua cabecinha o corpo veio rapidamente, pura ocitocina! E nossa cria nasceu! Não dá para descrever esse momento... mágico, divino, abençoado! Kátia o passou pelo meio de minhas pernas, mas eu tremia, assim Juliano o pegou e o deu em meus braços, ahhhhhhhhhhhhhhh, coisa linda! Aquela energia que circulava naquele lugar era cósmica, celestial! Em seguida, ainda com o cordão umbilical pulsando o coloquei em meu seio, depois de uns 20 minutos o pai cortou o cordão e ficamos juntinhos, corpo a corpo, olhos abertos para descobrir a aventura de viver! Minha placenta nãosaiu, só pela manhã que consegui expulsá-la no banho, ainda tinha dores como cólicas, Kátia informou que um coágulo poderia ter se formado, por isso que ela não saia, quando finalmente senti a última contração e pude expelir de dentro de mim aquela que protegeu meu filhote, frondosa como uma árvore que surtiu seu fruto!Ah! Parir, partejar, dividir, e ficar na sua cama, com sua família, no seu lar, nem dá para comparar com ter um filho num ambiente hospitalar... inóspito, frio, impessoal. Faria tudo novamente! E naquela Lua Nova um novo trilhar se iniciou em nossos caminhos, um novo ciclo! Nesse feriado de sete de setembro plantaremos a placenta em nosso quintal, com a vinda dos avós de Rudá e comemoraremos mais um dia essa sementinha que brotou, devolvendo a terra e a Natureza o que o fortaleceu em meu ventre!" Bianca C. Magdalena  
Texto redigido em 30 de agosto de 2009.
_Na voz da parteira
Ontem e essa madrugada minha cabeça revivia o tempo com você e seu marido e a Sil. De madrugada acordava e agradecia a Deus por tudo o que aconteceu. Sabe, eu quase desisti de ir; pensei: "É muita loucura...", mas não ficava sossegada com o meu não. Então, fiz o que faço sempre: conversei com Deus e pedi que fosse conduzindo tudo, abrindo os caminhos e me mostrando o que era melhor fazer. Na verdade, desde o seu primeiro contato, eu me comprometi. Eu não queria saber a distância, eu queria poder proporcionar a mais uma mãe o direito de ter seu filho naturalmente, sem intervenções. Eu dirigi a madrugada toda pra chegar aí, parei umas três vezes pra checar se estava certa e outras duas pra lavar o rosto. Durante a viagem, sem rádio eu sozinha o que eu fazia, cantarolava e orava a Deus; pedia por você, por Rudá, pelo seu marido e por mim. É eu tenho provado e visto o quanto Deus é maravilhoso e o quanto Ele age em minha vida, desde a minha gestação, que foi uma surpresa inesperada e que Ele me prometeu que eu veria o milagre que eu sonhara acontecer e foi assim, vocêdeve ter lido contrariando todos as razões da lógica eu pari e em casa, e olha, um dia te conto os detalhes, foi mesmo milagre, ou melhor milagres. Eu pedi muito a Deus que me permitisse sentir as dores e as contrações para poder fortalecer as mulheres que pudessem passar por mim, e foi assim com você, eu sabia a intensidade da dor, eu não só imaginava, eu tinha a real experiência do que você sentia e sabia que você seria capaz. Quando eu cheguei pedi a Deus que me abençoasse e que me mostrasse claramente se algo não estivesse indo bem e olha o que aconteceu; o tempo todo o coração de Rudá ficou ótimo, ele conversava conosco e dizia que estava tudo bem. Não posso esquecer sua expressão quando te vi e você disse de sua alegria por eu ter ido, por não ter desistido. É... foi um dos partos mais lindos de que já participei, tudo a seu tempo: você foi muito forte, em momento algum chutou o balde e pediu analgesia, a garra de uma guerreira veio à tona e Deus mais uma vez me ouviu: te fortaleceu. Eu vibrei tanto de alegria quando Rudá nasceu, veio de novo em mim a mesma emoção de quando pari minha filha, uma explosão de alegria e muita ocitocina. Minha mama já estava cheia, na hora desceu mais leite. Muito lindo!!!Só pode vir de Deus algo tão perfeito, emocionante e transformador como é o nascimento natural. Eu costumo dizer que cada parto me transforma, e que cada parto me faz renascer; cada parto transforma a mãe em mais mulher e mais mãe e mais ser humano, e cada pai de igual forma!!!Eu voltei, estava exausta na segunda-feira no estágio, meu corpo dolorido, as pernas doendo do movimento de dirigir tanto em tão pouco tempo, mas a alegria e satisfação recompensaram tudo. Valeu à pena ter conhecido você e ter ido à Cananéia, agora, nossas vidas estão interligadas pelo nascimento tão lindo de Rudá. Um grande abraço e parabéns por essa experiência tremenda que é o parto.
Kátia Z. A. Pedroso
_Na voz da dinda
Quem sou eu para escrever sobre a vinda de um serzinho a este mundo, sendo que eu mesma ainda não exerço o belo papel de mãe? Sou a madrinha, fotógrafa oficial da gravidez e parto, doula amadora e amiga-irmã da mãe da criança. Por isso, aívai...Para relatar minha emoção em estar presente no grande momento do nascimento de Rudá vou precisar me contextualizar um bocado, relembrar momentos e só então contar como foram os momentos que passei junto ao casal de amigos queridos naqueles 22 e 23 de agosto de 2009.Minha amizade com “os gordinhos”, como são chamados carinhosamente pelos amigos, iniciou-se aos poucos, sem muito alarde ou emoção. Tudo foi acontecendo aos poucos, fomos nos descobrindo, entendo nossas afinidades e mais do que tudo respeitando nossas diferenças que não são poucas. E as coisas foram fluindo... Até que pela primeira vez nos tornamos compadres em meu casamento e de lá para cá somos uma família. Sim, a de sangue está distante, mas a de alma está sempre por perto. E de tão próximos, posso dizer que desde o princípio da amizade eu me lembro da Bianca achando estar grávida em quase todos os meses. Sua menstruação nem atrasava e ela já ficava toda preocupada. E quanto dávamos risada com isso... A preocupação era sempre em vão. Até que em dezembro de 2008, no mês que ela nem esquentou a cabeça, a menstruação atrasou!!!Foram dias crendo que em algum momento menstruaria, mas isso não aconteceu e uma tarde eu liguei para ela e recebi a seguinte informação: “é amiga, você vai ser tia”. Meu Deus, que misto de alegria e preocupação... Grana curta, Codorninha na faculdade, Bi sem emprego fixo e os amigos tão duros quanto! Como ajudar? Dando apoio, afinal, eu ia ser tia agregada! Nunca me esqueço que na noite do mesmo dia da notícia nos encontramos e ela me disse: “um filho é uma benção, sempre!”. Guerreira! Avesso! Durante sua gravidez não estive muito presente, ela precisou se ausentar da cidade em que vivemos, mas mesmo com a distância os pensamentos eram sempre voltados a ela. Sofri quando ela disse que faria o parto longe daqui por achar mais seguro, já que vivemos numa ilha e o hospital mais próximo fica a 40 minutos. E sou grata a ela por ter mudado de ideia. Em maio de 2009 ela voltou para a terra do marzão e das montanhas encantadas e disse que teria o bebê em casa, num parto humanizado. Pirei! Amei! E dei o maior apoio. Desde minha adolescência eu dizia que se um dia fosse mãe, meus filhos nasceriam em casa, mas achava que isso não seria possível, achava que ninguém mais fazia isso...O bom é que quando ela me contou sua escolha eu já estava mais informada sobre a “humanização do parto” por outra amiga que também já tinha feito essa escolha e pude apoiá-la. Enquanto a maioria absoluta a chamava de louca, eu a admirava cada dia mais, ficava ouvindo-a por horas contar sobre suas leituras e pesquisas na internet sobre o assunto. Me preocupava sim, mas quanto mais ela me munia de informações, mais eu acreditava no poder da natureza de Deus. Minha mãe teve seis filhos, todos de parto normal (a primeira nasceu em casa) e sempre se indignou com o número abusivo de cesárias no Brasil. A educação que recebi dela me fez acreditar que a Bianca conseguiria. E assim tudo foi se encaminhando e quando chegou agosto – o possível mês de nascimento do Rudá, já que ele poderia também nascer em setembro - eu “falhei” em alguns momentos e espero que a Bi não tenha sofrido demais com minhas falhas de madrinha de primeira viagem. Estava tão ansiosa quanto ela e por várias vezes minha falta de maturidade no assunto não me permitiu ajudá-la corretamente. Eu dizia que sentia (quem era eu pra sentir alguma coisa?) que já estava chegando a hora, que ele ia nascer em breve, enfim, fui infantil! A gota d'água foi um almoço em casa no qual ela achou que a bolsa pudesse ter estourado porque tinha sentido alguma coisa úmida na calcinha... Pronto! Eu já fiquei falando que ela estava com 5 dedos de dilatação, que ia nascer, que precisávamos ligar para a parteira... mais uma vez, infantil! Fomos para o pronto-socorro da cidade e o médico disse que ela estava com nenhum dedo de dilatação. Me lembro do seu semblante ao sair do hospital, triste e cabisbaixa. Foi naquele momento que percebi que ela precisava que eu me acalmasse. E foi o que eufiz!Tentei levá-la para caminhar algumas vezes, mas só consegui numa segunda-feira 17 de agosto, e nesse dia ela me contou que o tampão havia saído e que estava chegando a hora.A Silmara de alguns dias atrás faria tudo aquilo novamente, mas eu me comportei como a mulher de quase 30 que sou e não fiz um carnaval com a notícia. Fiquei feliz, mas de uma forma mais comportada. Durante essa semana que o tampão saiu eu não apareci muito, não queria ficar pressionando-a, me lembro só de ter levado o casal ao médico e de ter recebido a notícia do 1 dedo de dilatação. Felicidade! E fomos conversando pela internet todos os dias. Até que na sexta-feira, 21 de agosto o Codorna passou em casa, tarde da noite e me disse: “Sil, está acontecendo, a Bi tem tido contrações de 10 em 10 minutos e já ligamos para a parteira”. Fiquei parada, sem reação... Esperei tanto aquele momento e não sabia o que fazer. A Bianca já havia me dito que gostaria que eu estivesse presente no momento do parto, mas eu não soube como reagir. O Codorna me disse que achava que ainda demoraria e que qualquer coisa eles me ligavam. Por mim eu já ia pra casa dela naquele momento, mas precisei mais uma vez não agir por impulso. Foi duro pegar no sono aquela noite... Acordei antes das seis e fui correndo para a internet ver se tinha novidades. Que inocência a minha achar que uma mãe prestes a parir vai parar para escrever na internet, mas enfim, eu queria notícias. E fui atrás dela, liguei para o Codorna e ele me disse que estava tudo bem, que a parteira havia chegado e já estava fazendo os exames... Alívio, a parteira chegou! Veio de São José dos Campos especialmente para o nascimento do Rudá. Um anjo! Umas duas horas depois a Bianca me ligou avisando que estava com dois dedos de dilatação e que a parteira havia pedido que ela caminhasse um pouco para acelerar as contrações. Mais uma vez vontade absurda de ir até lá, mas com medo de atrapalhar. Toquei meu sábado, fiz várias coisas e chegou uma hora que eu não aguentei e fui para lá. Eram umas duas da tarde. Levei bolsas de água quente e uma vontade imensa de ajudar e estar perto dos amigos. Quando cheguei a parteira estava no computador, o Codorna fazendo comida e um clima que não era de parto. Fiquei meio perdida. Na minha cabeça a Bianca estaria deitada na cama, gritando bastante, nós todos ficaríamos em volta falando faz força, ele está vindo, está vindo, nasceu! Nada a ver... Quando cheguei, a parteira, muuuito fofa, me disse que estava feliz que teria alguém para fotografar. Apaixonei por ela na hora, ela não tinha noção para quem estava falando isso!!! A Bi estava no chuveiro, aliás, onde passou a maior parte do trabalho de parto e não me viu chegar. Quando saiu foi fazer o exame de toque e já estava com 5 centímetros de dilatação. Alegria geral! Kátia, a parteira, acreditava que Rudá nasceria até às 18h do dia 22 de agosto e seria, para pânico da mãe, um leonino, assim como o pai. Mas não, ele queria agradar a mãe e fazer o que ela tanto pediu, nascer um virginiano organizado no primeiro dia do signo aos 23 dias de agosto e foi o que ele fez, mas até lá ainda tem muita história...Esse exame de toque foi feito por volta das três da tarde e o próximo às 17h50. Nesse meio tempo vi a Bianca sofrer muito com as dores... o pai, a parteira e eu fizemos compressas com a bolsa de água quente, chá, massagens, etc. e acreditávamos que o momento estava chegando, mas neste segundo exame foi descoberto que ela ainda estava com 6 dedos e teria chão pela frente. Os amigos que estavam reunidos aguardando notícias me ligavam sem parar, minha família de Itu também e eu conversava com uma grande amiga da Bianca que também tinha optado pelo parto natural, pela internet, ela dava dicas para eu repassar para a mãe em trabalho de parto. Modernidade misturada à tradição, ao natural, ao “antigo”...E assim foi entrando a noite. O pai visivelmente cansado e a comadre também. Assistir ao sofrimento dela despertava em nós uma espécie de dor solidária. Um cansaço de vê-la sofrer...Certa hora da noite o Codorna olhou pra mim e disse: “Estou cansado de vê-la sofrer assim”...Lindo! E dá-lhe massagens, e dá-lhe pontos de acupuntura para aliviar a dor e para acelerar as contrações... Um trabalho em equipe! Equipe esta composta por mãe, filho, pai, parteira e comadre, movidos pelo amor. A bolsa não estourava e mais uma vez eu vivia um misto de alegria e preocupação... Alegria porque isso queria dizer que Rudá estava protegido no útero da mãe e preocupação porque na minha cabeça quanto mais demorasse para estourar, mais tempo duraria. E foi então que às 23h27 a bolsa estourou. Me lembro que a Bi estava em pé, ao lado da cama com as mãos sobre a mesma e disse: “agora estourou”; e foi o que realmente aconteceu. Gritamos viva e abraçamos a mamãe. Nesse momento me emocionei, ela agradeceu nossa presença e disse que só estava conseguindo porque estávamos lá... Tão lindo! Daí pra frente as dores foram mais intensas e posso dizer isso porque vi o sofrimento dela aumentar. Ela pedia muito para o Rudá nascer, mas ele ainda esperou mais quatro horas e meia para nascer. E noite a dentro continuei minha função de amiga e comadre: massagem, chá, bolsa de água quente...Em um determinado momento ela estava deitada num colchão no chão, o Codorna estava amparando sua cabeça, a parteira fazendo massagem em seus pés e eu com uma bolsa de água quente em suas costas. Nessa hora eu e meus companheiros já não conversávamos como antes, estávamos cansados e eu pensava até quando ela ficaria sofrendo daquele jeito e mais ou menos nesse momento ela se levantou ficou de joelho no colchão e abraçou meu quadril (eu estava sentada na cama)... Naquele momento eu senti o quanto nossa amizade era verdadeira. Meus olhos se encheram de lágrimas e me pus a fazer massagens em suas costas. Achei que era hora de interceder pela Bi junto ao Rudá e comecei a cantar: continue a nadar, continue a nadar, vamos Rudá, continue a nadar...Depois disso ela resolveu ir para o chuveiro e lá ficou por poucos minutos, não mais como antes quando ficava por muito tempo. E quando voltou se colocou de quatro no colchão, fiquei novamente com a função da bolsa quente em suas costas e alguns minutos depois a Kátia falou que estava sentindo o cheiro do líquido amniótico, pediu que eu segurasse uma vela e me mostrou a cabeça doRudá se aproximando... Quanta emoção! Corri pegar a máquina fotográfica, pois se tinha um pedido da mãe era que eu fotografasse o momento do “coroamento” e foi o que fiz. Foram várias fotos e ao mesmo tempo ajudando a Kátia e seguindo suas instruções... O pai parecia um bicho, olhava a cria nascendo e voltava correndo consolar a mulher... E às 3h56 do dia 23 de agosto de 2009 ele nasceu! Depois de 32 horas de trabalho de parto. Eu estava tensa, enquanto o Rudá não abriu os olhos eu não fiquei bem... Me deu um pavor ele nascer e não abrir os olhos, não chorar, não se mover... Mas quando seus olhos se abriram e um chorinho bem leve tomou conta do quarto, foi só alegria! Ele foi passado por baixo da mãe, o pai amparou-o e enfim ela o pegou em seus braços... E dá-lhe fotos! Nessa hora eu já estava em prantos! Emoção sem igual! Meu sonho de assistir um parto enfim estava realizado e da forma mais natural possível. Logo depois que ele nasceu, que a Bianca levantou do chão, sentou-se, ficou com ele pertinho de si, que enviei mensagens aos amigos avisando do seu nascimento, que o cordão foi cortado pelo pai, comecei a sentir uma cólica muito forte e minha menstruação desceu. Coisa louca esse mundo da natureza, esse mundo de Deus! Acabei não podendo ajudá-la muito depois do parto, pois estava com muita dor, com uma cólica que há tempos eu não sentia. Mas mesmo assim fui até minha casa buscar aveia para que a Kátia pudesse preparar um mingau para ela e nesse momento meu marido foi até lá comigo, com a dor que estava sentindo nem conseguia mais dirigir. Fui sair da casa dela o dia já estava clareando e eu, assim como todos da “equipe”, precisávamos descansar. Me lembro de ter chegado em casa, tomado um banho e ter ido deitar em minha cama pensando em como a vida é mesmo um misto de sentimentos. Mais uma vez eles se mesclavam em mim... alegria e dor. Dor porque a cólica estava realmente forte e alegria porque... ah... eu preciso mesmo explicar a razão da alegria? Silmara Guerreiro

Mãe de Ícaro e Rudá

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