Relato Rebeca, nascimento de Alice

NASCIMENTO DE BRENO (CESÁREA) E ALICE (PARTO NA ÁGUA)
Rebeca – Divinópolis/MG


Quando eu tinha 10 anos uma quiromante me disse que eu teria 2 filhos, e que seria antes dos 25 anos de idade. Pra mim isso parecia irreal e distante, eu era só uma menina!
Aos 13 anos dei meu primeiro beijo e aos 15 conheci o homem com quem eu me casaria e teria esses dois filhos que minha mão denunciara.
Me casei aos 20 anos e num exame de rotina fui diagnosticada com ovários policísticos. O tratamento não me agradou (hormônios) e nem a postura da médica, pessimista em relação a gestação natural embora eu não sofresse de anovulação. Acabei por decidir não prevenir  e engravidei no ciclo seguinte, porém caí nos 15% de seleção natural de primigestas e tive uma perda sem abortamento espontâneo. Passei por uma aspiração uterina após cerca de 8 semanas de espera pela expulsão natural (que não aconteceu) e depois de 6 meses engravidei novamente. A aspiração manual (AMIU) foi feita em uma maternidade e pude ter ali uma ideia do que não queria para meu futuro trabalho de parto e parto: isolamento, falta de privacidade, falta de posição para conforto, jejum, tricotomia, dentre outras coisas. 
Eu já participava de grupos virtuais de mulheres e assim escrevi meu plano de parto natural: Breno crescia em meu ventre. Quando estava com 21 semanas de gestação nos mudamos de BH para Divinópolis e, munida do plano de parto, visitei todas as maternidades da cidade. Não houve abertura para as coisas que considerava mais importantes no meu processo, como não haver intervenções de rotina, parir fora do bloco cirúrgico, pai presente, liberdade de escolha de posições, não intervir no bebê saudável. Com 36 semanas a doula Alessandra Godinho gentilmente me acompanhou até o Sofia Feldman em BH, assim resolvi parir lá, pois vi na assistência da enfermagem obstétrica e na casa de parto a segurança e acolhimento que procurava.
Fui para BH com 39 semanas e me hospedei na casa da minha mãe. Estava bem disposta porém muito ansiosa. A data provável era dia 29/12/2003. Esta ansiedade, o Natal, distância do marido se tornaram grandes inimigos do meu plano de parto original. Percebi que o maior preparo para o parto era mesmo emocional. Estive na maternidade 3 vezes durante meus pródromos achando ser TP! Não tinha doula e a família não sabia nada sobre parto, sogra e mãe não tiveram a oportunidade de parir.
No dia 30/12 tive contrações irregulares o dia todo, era a fase latente. Procurei a maternidade novamente, estava com 3 cm, colo favorável a indução. Não era meu desejo inicial mas se tornou minha preferência diante da situação emocional. Hoje me arrependo muito de não ter contratado uma doula para me ajudar nestes dias finais. Passei o dia caminhando e, tomada pela ansiedade, pedi a indução do parto com 40 semanas e 2 dias, às 20h do dia 30 de dezembro de 2003. Fui muito bem atendida, consultada sobre todas as opções de indução e condução do trabalho de parto. Sem doula, com marido e mãe, tive dificuldades para relaxar e me entregar ao trabalho de parto, me mantendo tensa, controlando cada centímetro evoluído ou não. Desta forma demorei quase 20h para atingir 9 cm de dilatação. Usei ocitocina, analgesia e estas intervenções interferiram no posicionamento do bebê. Às 18h uma cesárea foi indicada e Breno nasceu dia 31 às 19h. Não vi nada do nascimento, chorei todo o tempo. Tive uma boa recuperação física, amamentei com sucesso e a frustração decorrente dessa experiência acabou despertando em mim o desejo de uma nova chance. 
Amamentei Breno em livre demanda, de modo que meu ciclo menstrual só recomeçou 15 meses após seu nascimento. Engravidei logo, no terceiro ciclo, quando Breno tinha um ano e cinco meses. 
Ainda morando em Divinópolis, passei a gravidez procurando um médico para me atender em casa no TP, ou uma parteira, uma opção de parto humanizado e sequer encontrei apoio pra um parto normal na cidade em que moro. Passei por vários médicos e escutei muitas coisas sem fundamento. Um médico chegou a dizer ser possível mas não senti segurança. 
Eu estava então com 24 anos, Alice estava a caminho, nós duas sempre muito saudáveis. Não tive sangramento, dores, azia ou inchaço, engordei 5 kg e minha pressão se manteve 10x6.
Consultei a equipe de parto domiciliar de Bh sobre PD mas com cesárea prévia não toparam. Assim, em janeiro de 2006, com 30 semanas de gestação, decidimos ter o neném em BH, no Sofia novamente. Seria sofrido separar a família, esperar o TP, ficar na casa de parentes, mas era o melhor atendimento que tínhamos disponível.
Pela DUM minha DPP era 13/3, pelo US 22/03. Em 8/3, com 38 semanas, estava com muitas contrações e fui ao posto de saúde me consultar com o GO. Ele fez um toque, informou que eu estava 3 cm e descolou as membranas sem me pedir autorização! Eu disse que não era pra fazer mas era tarde. Saí de lá com sangramento leve, cólica forte, chateada com o desrespeito e com muito medo de Alice adiantar e nascer em Divinópolis! Era quarta-feira, liguei pro meu pai e pedi que viesse me buscar no sábado, queria ir logo esperar o TP em BH.
Depois dessa intervenção fiquei mais quieta; o tampão saiu na sexta, dia 10, mas Alice esperou comportadamente. Fui pra BH e nos dias que se seguiram descansei bastante, passeei, vi meus amigos e ri muito. Eu estava com pródromos regulares, todos os dias as contrações ganhavam um ritmo por cerca de 2 horas, mantendo intervalos de 6/6, 7/7 minutos, doíam bem pouco. Passei a semana seguinte caminhando por horas, tomando litros de chá de canela, fiz acupuntura, estava começando a ficar ansiosa.
No dia 19 eu estava insegura, chorona, precisando de colo. Resolvi que precisava fazer algo e então fui ao Sofia Feldman, direto na casa de parto,  e chegando lá conheci a Miriam, enfermeira obstetra que foi meu anjo de guarda nesse processo.
Ela me acalmou, examinou, me incentivou, me encheu de ânimo, foi uma consulta espiritual! Conversamos demoradamente, trocamos telefones, e-mails, ela se prontificou a me atender em TP em casa antes de seguirmos pro Sofia, e o melhor: me esclareceu sobre a possibilidade (até então remota pra mim) de ter neném na casa de parto, o meu sonho! Ela conversou com colegas sobre meu caso. 
No dia 21 eu acordei com a sensação de que estava chegando a hora. Animada, arrumei as malas, fiz um bolo, brinquei bastante com Breno. À noite um passarinho amarelo entrou na casa da minha mãe, onde eu estava, era um sinal!
Fui dormir e de madrugada acordei com a calcinha molhada. Coloquei um protetor e resolvi que se fosse a bolsa eu saberia de manhã, que por hora o melhor era descansar.
Acordei às 7h e o ping ping continuava: era uma ruptura alta na bolsa, não tinha dúvida. Comecei a tentar falar com a Miriam, deixá-la avisada, mas o celular estava desligado. Depois das 9h liguei pra Keylla, minha amiga-comadre-doula e ela veio ficar comigo, fosse pra ficarmos quietas em casa, fosse pra ir pro Sofia. Minha mãe saiu com Breno, ficamos sozinhas umas 3 horas. Ao meio-dia fui ao banheiro e ao me levantar saiu muita água da bolsa, gritei a Keylla, comecei a chorar, a tremer, era chegada minha hora!!! Ela me acalmou, riu, ligou pro meu marido Marco pra que ele viesse se juntar a nós nessa espera.
Eu não queria ir pro Sofia muito cedo, até por que a Miriam havia me dito que o sucesso de meu VBAC dependia em grande parte de já chegar lá na fase ativa. Liguei pra ela e fui orientada a ir lá na casa de parto, avisar o plantonista da bolsa rota, avisar que queria ter neném lá, pra ser examinada se necessário, pra monitorar o coração de Alice.
Fui com Keylla às 15h, entramos pela casa de parto porém a enfermeira do plantão não concordou em me assistir lá. Novamente em contato com a Míriam tentei outra possibilidade: conversar com o Dr. João. Bom, fui atrás do João e me apresentei, disse o que queria entre uma contração e outra. Ele disse que o risco de ruptura era de meio por cento, como eu já sabia, que o risco era menor do que de ele ser atropelado na rua, hehe! Disse que se o enfermeiro me aceitasse eu poderia ficar no Centro de Parto Normal, que se qualquer coisa acontecesse na casa de parto eu poderia ser transferida pra maternidade e operada a tempo de salvar o bebê. Tocou minha barriga durante uma contração e disse pra eu não ir embora, que meu TP estava começando, e eu respondi que ia ficar por ali caminhando. Me desejou boa sorte e me deu o aval que eu precisava.
Marco chegou, a enfermeira me  examinou, estava com 4cm, depois saí pra caminhar, andar, ajudar. Keylla foi em casa amamentar o pequeno Dudu. Edvam assumiu o plantão às 19h, fiquei caminhando, a dor estava gostosinha, era só inclinar pra frente que mal sentia. O tempo foi passando e eu ficando nervosa, Marco marcava as contrações, que duravam em média 45 segundos e tinham intervalo de 4 minutos.
Eu continuava caminhando e, num certo momento, senti necessidade de me afastar de todos chorar. Pus para fora o que sentia! Dor, frio, solidão, medo. Foi ótimo, me senti mais leve depois.
Edvam me examinou às 22:30h, 5cm e colo 60%, permiti terminar de romper a bolsa e as contrações imediatamente se intensificaram, o intervalo diminuiu. Era quase 23h, Keylla chegou, lanchei um pão com leite, nada de jejum!
Keylla e eu conversando, caminhando, as dores estavam bastante fortes mas suportáveis. O novo toque seria lá pelas 2h, eu não sentia evolução e comentei isso com o Edvam. Ele disse que se de fato não evoluísse poderíamos tentar outras opções. Caminhei, rebolei, gemi, tomei banho, recebi massagem até 2h da manhã, quando foi feito novo toque: 5cm!!!!! Puxa vida, eu estava certa, não tinha evoluído. Edvam disse pra eu caminhar bastante antes de novo toque. Saí do quarto com Keylla, nas contrações me pendurava nela, gemia, acocorava. Daí em diante perdi a noção das horas, só sei que Edvam fez novo toque e tinha 6cm, devia ser umas 4h. Pelo tempo de bolsa rota ele sugeriu que eu caminhasse muito para não precisar de ocitócito, e que às 6 da manhã ia me dar antibiótico (por tempo de bolsa rota).
Eu não aguentava mais andar, minhas coxas doíam como se um nervo estivesse sendo comprimido. Conversei com Marco e decidimos tentar o soro mas monitorando mais o coração Alice, uma possível ruptura, essas coisas. 
Assim que ele colocou o soro eu não mais pensava; fui para a partolândia!!!!! Me sentei no colo do Marco de costas, de pernas abertas, cobri as pernas pra ver se a dor nas coxas melhorava, durante as contrações mordia uma toalha e apertava as mãos de Keylla.
Às 5 da manhã falei com a técnica de enfermagem que queria subir pra maternidade, que o sucesso do meu PN dependia de uma anestesia, que eu queria parir mas com alívio pra dor. Conheci minha mulher selvagem e ela foi acolhida com muito carinho por meus acompanhantes, respeitando meu plano de parto e me dando forças para continuar. Edvam chegou depois de um tempo e me examinou antes de ir tomar anestesia, que era meu desejo. Pedi pra tirar o soro e recolocar lá em cima, na maternidade, mas ele disse não ser possível, teria que ir com ele. Agora sei que ele disse isso e me examinou pra me animar a continuar, que estava perto. E estava: 8 cm.
Eu estava deitada e quando me levantei Keylla perguntou se já sentia vontade de empurrar e eu disse “50%”. Pouco depois me levantei e gritei que estava empurrando, mas era involuntário, puxos loucos! Edvam perguntou se eu queria parir na água ou na cama, apontei a banheira. Ele disse que seria o primeiro VBAC na água!
Me acocorei na beirada da banheira enquanto ele a enchia de água, perguntei se podia fazer força, se ainda tinha colo, se não ia inchar e doer, aí ele disse que o colo que tinha não atrapalhava mais nada.
Nessa hora eu não sabia se podia empurrar, se podia ser entre as contrações, se ia dar tempo de esperar a banheira encher. Marco achava mesmo que não ia dar tempo, mas deu.
Edvam saiu do quarto pra buscar o kit de parto e eu passei óleo no períneo, massageei, senti a cabecinha da minha filha dentro do canal, chorei de alegria.
Entrei na banheira, Marco me dando suporte físico do lado de fora, Keylla fotografando, Edvam me orientando a esperar as contrações. Eu queria não empurrar, queria deixar a neném sair naturalmente pra não lacerar, mas a dor era intensa e eu sentia que estava empurrando a dor pra fora junto com Alice. Era involuntário!
Comecei a chamá-la, disse pra vir descansar comigo. Senti a cabecinha descendo, senti uma desproporção, a sensação de que não passaria nunca!
As contrações não davam trégua, eram cerca de 4 em 10 minutos, e eu empurrava Alice pra fora, pra mim, pros meus braços, a cada uma delas. Keylla e Marco dizendo palavras de incentivo, Keylla tirando fotos e comentando!
Senti queimar na parte de cima: era a cabecinha já saindo, o círculo de fogo! Eu dizendo “anda, Alice, escorrega pra fora!” Mas foram necessárias várias contrações pra ela nascer: uma pra terminar de sair a cabeça, outra pros ombros e na última saiu o corpinho. Engraçado como dá pra sentir cada parte do corpo!
Alice nasceu de costas pra mim, direto pra água. Edvam a pegou e colocou direto no meu colo, ela gemia baixinho, eu idem, hehe! Eu disse algumas coisas pra ela como “Deus te abençoe”, Edvam deu as boas vindas, Keylla ria, Marco eu não lembro o que disse, hehe. Eu sentia o cordão pulsando! As dores desapareceram, eu estava exaurida mas me sentia vitoriosa.
Perguntei as horas: 6:03h de 23 de março. O sol estava nascendo e ver a transição de escuro para claro parecia uma metáfora para o nascimento. Esperamos mais uns instantes, Alice já respirava sozinha e o cordão me cutucava! Marco cortou o cordão, tive uma contração forte e achei que a placenta estava saindo, toquei meu períneo e senti que havia lacerado; sai da banheira. Me deitei e a placenta saiu sozinha, Keylla fotografou.
Edvam deu uma anestesia local e suturou a laceração de 2º grau. Marco pesou e mediu Alice enquanto isso: 3.145 kg e 51 cm. Eles voltaram e minha sogra ligou; eu atendi radiante, sem dor, realizada! Ela ficou boba em saber, mais tarde, que eu estava sendo costurada e falando ao telefone risonha daquele jeito, hehehe!
Eu agradeci o Edvam e à sua auxiliar, disse que não ia me desculpar por nada pois sabia que eles estavam acostumados àquilo tudo, à dor, medo, à mulheres que não querem mais PN na hora de parir, à pedidos de anestesia, enfim, e eles riram.
Os incômodos do meu pós parto mas não duraram nem 4 dias. Recuperação total, sem alteração na musculatura vaginal, sem incontinência, tudo perfeito!
Permanecemos na casa de parto 24h e nesse tempo Alice só saiu de perto de mim com o pai, pra ser pesada. Ela não tomou banho (preferi dar em casa), não teve colírio nem vitamina K. Não precisei brigar, estava no meu plano de parto e foi respeitado.
Alice foi um bebê muito mais calmo em relação ao irmão, fez logo um ritmo de mamadas, era mais atenta e mais risonha. 
Com esse parto eu aprendi muito sobre mim, sobre limites, escolhas. Parir não é fácil mas é recompensador!!! Foi muito bom experimentar o que eu defendo... O direito e a opção de parir de forma respeitosa, o acesso a informação de qualidade, o suporte contínuo! 
Meu agradecimento aos amigos da lista Parto Nosso da qual participava na época, às bênçãos que recebi, às doulas virtuais, à Pata, Keylla, Ana Cris e ao Rodrigo, à todos que acreditaram em mim!
Contato:
rebecadoula@gmail.com
Doula, mãe de Breno e Alice

Comentários