VBAC: Parto Vaginal Após Cesariana. Mitos e Medos.

Por Carla Andreucci Polido, médica obstetra

Durante grande parte do século 20, a maioria das pessoas acreditava que uma mulher que já havia passado por uma cesariana deveria ser submetida a cesarianas de repetição em futuras gestações. A partir de estudos feitos depois de 1960 (suuuuper recentes, sqn), soubemos que o ditado "uma vez cesárea, sempre cesárea” não se aplica. Muitas mulheres que foram submetidas a cesarianas podem tentar com segurança um trabalho de parto em gestações subseqüentes.

Chamamos de “prova de trabalho de parto após cesariana” (em inglês “trial of labor after cesarean section”-TOLAC) a tentativa planejada de trabalho de parto por uma mulher que já passou por uma cesariana, e deseja um parto vaginal na sequência.

Chamamos de “VBAC” (“vaginal birth after cesarean section”) o sucesso do TOLAC, resultando em um parto vaginal. Tenho orgulho em dizer que já escrevi sobre isso durante minha residência médica, há 17 anos atrás, sob a batuta de meu eterno orientador, Professor Dr José Guilherme Cecatti, da UNICAMP. Chamamos os VBAC na ocasião de PNAC (“parto normal após cesariana”), mas o termo em inglês foi o que “pegou”.

Os benefícios de um TOLAC que resulta em um parto vaginal após cesárea (VBAC) incluem:

  • Menor tempo de internação e recuperação pós-parto (na maioria dos casos)
  • Menor incidência de complicações, como febre pós-parto, infecção da ferida ou infecção uterina, tromboembolismo (desprendimento de coágulos de sangue que podem atingir membros ou pulmão), necessidade de transfusão de sangue.
  • Menor incidência de problemas respiratórios neonatais

Os riscos de uma tentativa de VBAC ou TOLAC incluem:

  • Tentativa fracassada de trabalho após cesariana (TOLAC) sem um parto vaginal após cesárea (VBAC), resultando em cesárea de repetição (varia entre 20% a 40%).
  • Risco de ruptura do útero, resultando em uma cesariana de emergência. O risco de ruptura uterina pode ser relacionado, em parte, ao tipo de incisão uterina durante a primeira cesariana. A incisão uterina transversal anterior tem o menor risco de ruptura (0,2% a 1,5%). Incisões uterinas verticais ou em forma de “T” têm um maior risco de ruptura uterina (4% até 9%). É importante lembrar que a direção da incisão na pele não indica o tipo ou a direção da incisão uterina. Uma mulher com uma incisão transversal na pele pode ter uma incisão uterina vertical.

Tanto o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), sugerem que a prova de trabalho de parto após cesariana (TOLAC) para parto vaginal após cesárea (VBAC) é uma opção aceitável para uma mulher que foi submetida a uma cesárea anteriormente, com uma incisão uterina transversal baixa, assumindo que não haja outras condições que normalmente requerem uma cesariana (placenta prévia).

O ACOG sugere ainda que uma mulher com duas incisões uterinas transversais baixas anteriores, ou uma mulher com uma gravidez de gêmeos, ou uma mulher que requeira indução de parto, também podem ser consideradas candidatas para VBAC, com aconselhamento apropriado.

Há muito terrorismo sobre risco aumentado de rotura uterina após duas ou mais cesarianas (VBAC2). O grande estudo de Tahssen, metanálise de 21 estudos observacionais de qualidade (publicação de 2010) demonstrou que, apesar de aumento dorisco relativo, quando comparado ao risco de mulheres sem cesarianas prévias ou com apenas uma cesariana anterior, o risco absoluto é baixo, e as chances de sucesso de um VBAC após 2 cesarianas pode ultrapassar 70%. Estamos falando em chance de 1,59% de rotura após duas cesarianas, contra 0,72% em VBAC1. Traduzindo em miúdos, em 100 mulheres submetidas à TOLAC, menos de duas teriam uma rotura uterina, e mais de 70 delas teriam um parto vaginal.


Uma mulher considerando um VBAC deve discutir com seu cuidador de saúde os riscos e benefícios de uma TOLAC, e a discussão deve incluir planos de intervenção em caso de emergências. A segunda, terceira ou quarta cesarianas tem riscos de complicações semelhantes à TOLAC; portanto, parturiente e obstetra devem discutir todas as possibilidades antes da decisão final.

Uma mulher que se submete a uma prova de trabalho de parto após cesarianas deve ter seu parto conduzido de forma semelhante à de primigestas. A ausculta fetal na fase ativa do trabalho de parto, bem como a monitorização eletrônica fetal, podem e devem ser utilizados. Os medicamentos para induzir o parto ou melhorar as contrações (ocitocina) são usados com cautela, uma vez que podem aumentar o risco de ruptura uterina. Se ocorrerem problemas durante o parto, uma cesariana pode ser indicada a qualquer momento. No caso de necessidade de indução fora de trabalho de parto, a literatura recomenda a utilização de métodos mecânicos, como sondas foley ou balões especialmente confeccionados para colos de útero, uma vez que prostaglandinas estão contra-indicadas para preparo cervical (misoprostol, dinoprostone).

Melhoram as chances de sucesso de uma TOLAC (embora não sejam condições essenciais):
  • Um parto vaginal anterior, especialmente um VBAC 
  • Início espontâneo do trabalho
  • Andamento normal do trabalho de parto, incluindo  dilatação e esvaecimento do colo do útero
  • Cesariana prévia realizada por posição anômala do bebê 
  • Apenas uma cesariana prévia
  • A cesariana prévia foi realizada no início do trabalho de parto, e não após a dilatação cervical completa

Outro mito perpetuado é o intervalo interpartal e o risco de rotura uterina. É preciso que se diga que o famoso "mínimo intervalo de dois anos entre uma cesariana e uma futura prova de trabalho de parto" é mais uma afirmação empírica, que carece de fundamento em evidências. O maior trabalho que avalia intervalo interpartal conclui que, se este for maior que 18 meses, a chance de sucesso de um VBAC também aumenta. O risco de rotura uterina não foi avaliado.

Não existem, portanto, recomendações baseadas em ciência de qualidade determinando qual o melhor intervalo interpartal. Portanto, é lógico concluir que qualquer mulher com uma ou mais cesarianas prévias podem ser submetidas a uma TOLAC, independentemente do intervalo entre os nascimentos.


Todos os consensos internacionais apontam na direção de que a prova de trabalho de parto é uma alternativa factível e segura para todas as mulheres com cesarianas anteriores, incluindo em quem já teve mais de uma cesariana. Essa constatação é especialmente digna de nota em nosso país, onde, segundo o Ministério da Saúde, 55% por cento das brasileiras foram submetidas a cesariana em 2013. Na Saúde Suplementar, a taxa de cesariana superou 90%, no ano passado_ou seja, é cada vez mais provável que mulheres já cheguem aos obstetras com cicatrizes uterinas anteriores.


Cabe a cada obstetra conhecer os reais riscos e benefícios de cada escolha, e não simplesmente aderir ao medo geral ligado aos mitos da "uma vez cesárea, sempre cesárea".

Façamos obstetrícia baseada em evidência, e não em experiência, vivência ou temerência.

Informe-se.
Atualize-se.
Prepare-se.

REFERÊNCIAS
  1. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice bulletin no. 115: Vaginal birth after previous cesarean delivery. Obstet Gynecol 2010; 116:450.
  2. National Institutes of Health. National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement vaginal birth after cesarean: new insights March 8-10, 2010. Semin Perinatol 2010; 34:351.
  3. Mozurkewich EL, Hutton EK. Elective repeat cesarean delivery versus trial of labor: a meta-analysis of the literature from 1989 to 1999. Am J Obstet Gynecol 2000; 183:1187.
  4. Macones GA, Peipert J, Nelson DB, et al. Maternal complications with vaginal birth after cesarean delivery: a multicenter study. Am J Obstet Gynecol 2005; 193:1656.
  5. ACOG Practice Bulletin #54: vaginal birth after previous cesarean. Obstet Gynecol 2004; 104:203.
  6. Montgomery AA, Emmett CL, Fahey T, et al. Two decision aids for mode of delivery among women with previous caesarean section: randomised controlled trial. BMJ 2007; 334:1305.
  7. Tahseen S, Griffiths M. Vaginal birth after two caesarean sections (VBAC-2)—A systematic review with meta-analysis of success rate and adverse outcomes of VBAC-2 versus VBAC-1 and repeat (third) caesarean sections. BJOG 2010;117:5–19.
  8. http://www.uptodate.com/contents/vaginal-birth-after-cesarean-delivery-vbac-beyond-the-basics?source=search_result&search=VBAC&selectedTitle=2~17


Risco de rotura uterina após uma ou duas cesarianas, em 100 mulheresRisco de rotura uterina após uma ou duas cesarianas, em 100 mulheres

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